Original Article: Natural Law
Author: Lysander Spooner
 

Lysander Spooner

Lei Natural.

Primeira Parte.

Capitulo 1.
A Ciência da Justiça.

Seção I.

A ciência do meu e seu — a ciência da justiça é a ciência de todos os direitos humanos; de todos os direitos pessoais e de propriedade de um homem; de todos seus direitos à vida, liberdade, e a busca da felicidade.

É a ciência que pode por si só dizer a qualquer homem o que este pode, ou não, fazer; o que ele pode, ou não, ter; o que ele pode ou não dizer, sem infringir os direitos de qualquer outra pessoa.

É a ciência da paz; e a única ciência da paz; já que é a ciência que pode por si só nos dizer em que condições a humanidade pode viver em paz, ou como deveria viver em paz, uns com os outros.

Essas condições são simplesmente estas: digamos que, primeiramente, cada homem deve fazer, para cada outro, tudo que a justiça demanda que faça; como, por exemplo, que ele deverá pagar suas dívidas, que ele deverá retornar bens emprestados ou roubados a seus donos, e que ele deverá reparar ou pagar por qualquer dano que tenha possa ter feito a pessoa ou propriedade de outro.

A segunda condição é de que cada homem deve abster-se de fazer ao outro, qualquer coisa que a injustiça o proíba de fazer; como, por exemplo, que ele deve abster-se de cometer roubo, assalto, incêndio doloso, assassinato, ou qualquer outro crime contra a pessoa ou propriedade de outro.

Contando que essas condições sejam cumpridas, os homens estão em paz, e deveriam permanecer em paz, uns com os outros. Mas quando qualquer uma dessas condições são violadas, homens estão em guerra. E devem necessariamente permanecer em guerra até que justiça seja restabelecida.

Durante todo o tempo, até onde a História nos informa, onde for que a humanidade tentasse viver em paz uns com os outros, tanto instintos naturais, e o sabedoria coletiva da raça humana, tem reconhecido e prescrito, como uma condição indispensável, a obediência a esta única obrigação universal, dito: que cada um deve viver honestamente com o próximo.

A máxima antiga faz a soma do dever legal de um homem a seus compatriotas simplesmente: "viver honestamente, não machucar ninguém, dar a todos o que merecem."

Essa máxima inteira é realmente expressa nas poucas palavras, viver honestamente; já que, para viver honestamente; envolver não machucar ninguém, e dar a todos o que merecem.

Seção II.

O homem, sem dúvida, deve muitos outros deveres morais a seus companheiros; como alimentar os famintos, dar roupas aos desnudos, dar teto aos sem-teto, cuidar dos doentes, proteger os indefesos, assistir os fracos, e esclarecer o ignorante. Mas estes são apenas deveres morais, dos quais cada homem deve ser o próprio juiz, para cada caso em particular, a como, quando, até onde, ele pode, ou se irá praticá-los. Mas de seus deveres legais — ou seja, o de viver honestamente diante de seus companheiros — seus companheiros podem não somente julgar, mas, para sua própria proteção, devem julgar. E, caso necessário, eles podem obrigá-lo a cumprí-los. Eles podem fazê-lo agindo por conta própria, ou em conjunto. Eles podem fazê-lo no instante, a medida que houver necessidade, ou deliberadamente e sistematicamente, se assim preferirem, e a exigência será permitida.

Seção III.

Ainda que seja o direito de todos e qualquer um — de qualquer homem individual, ou grupo de homens, não menos que qualquer outro — de repelir injustiça, de compelir justiça, para si próprios, e para todos que possam terem sido injustiçados, mas para evitar erros vindos de pressa e paixão, e para que todos que o desejem, possam estarem confiantes na proteção, sem confiar na força, é evidentemente desejável que homens devem associar, enquanto possam livremente e voluntariamente fazê-lo, pela manutenção da justiça entre si, e pela proteção mútua contra iníquos. Também é do mais alto nível desejável que todos devem concordar em um plano ou sistema de procedimentos judiciais, que, no julgamentos das causas, deve garantir cautela, deliberação, através de investigação, e, o quanto for possível, liberdade de qualquer influência mas o simples desejo de fazer justiça.

Ainda que tais associações possam ser legítimas e desejáveis somente até quando forem totalmente voluntárias. Nenhum homem pode, de forma legítima, ser coagido a se juntar ou apoiar outro, contra sua vontade. Seu próprio interesse, seu próprio julgamento, e sua própria consciência sozinha deve determinar se vai se juntar a essa associação, ou aquela; ou se vai se vai se juntar a qualquer outra. Se este decide depender, para a proteção de seu próprio direito, somente em si mesmo, e sob qual assistência voluntária de outras pessoas sejam oferecidas livremente a ele quando a necessidade surgir, ele tem o direito de fazê-lo. E esse curso deve ser um razoavelmente seguro a seguir, desde que ele próprio manifeste a prontidão ordinária da humanidade, nestes casos, de ir à assistência e defesa dos injustiçados; e deve também “viver honestamente, não machucar ninguém, e dar a todos o que merecem.” Porque há certa certeza de que tal homem sempre dê aos amigos e defensores o suficiente em caso de necessidade, tenha se juntado a uma associação, ou não.

Certamente, nenhum homem pode ser legitimamente obrigado a se juntar, ou apoiar, uma associação cuja proteção ele não deseja. Tampouco pode homem algum ser razoavelmente ou legitimamente esperado de se juntar, ou apoiar, qualquer associação cujos planos, ou métodos de procedência, ele não aprova, assim como cumprir seu propósito professo de manter justiça, e ao mesmo tempo evitar cometer injustiça. Para se juntar, ou apoiar, uma que, em sua opinião, é ineficiente, seria absurdo. Se juntar, ou apoiar, uma que, em sua opinião, causaria injustiça, seria crime. Ele deve, logo, ser deixado na mesma liberdade de se juntar, ou não, uma associação cuja propósito, assim como qualquer outro, de acordo com seu próprio interesse, discrição, ou consciência dita.

Uma associação para proteção mútua contra injustiça é como uma associação para proteção mútua contra incêndio ou náufrago. E não existe nenhum direito ou razão em compelir um homem a se juntar e apoiar a uma dessas associações, contra sua vontade, seu julgamento, ou sua consciência, do que existe em compelir este a se juntar ou apoiar qualquer outra, cujos benefícios (se há algum) ele não quer, or cujo princípio ou métodos ele não aprova.

Seção IV.

Nenhuma objeção pode ser feita a essas associações voluntárias com a base de que lhes falta o conhecimento da justiça, como ciência, que seria necessária para lhes permitir manter justiça, e evitar que cometessem injustiça por si próprios. Honestidade, justiça, lei natural, é geralmente um caso simples e direto, facilmente entendido por mentes comuns. Aqueles que desejem saber do que se trata, em cada caso particular, raramente precisam ir longe para descobrir. É a verdade, e deve ser aprendida, como qualquer outra ciência. Mas também é verdade que esta é facilmente aprendida. Ainda que seja ilimitada em suas aplicações assim como as infinitas relações de um homem com outro, esta consiste, ainda assim, de alguns princípios elementares simples, da verdade e justiça que todas as mentes ordinárias tem uma percepção quase intuitiva. E quase todos os homens tem a mesma percepção do que constitui justiça, ou do que a justiça precisa, quando estes entendem os fatos de onde vem suas interferências.

Homens que vivem em contato uns com os outros, e tendo relações juntos, não podem evitar aprender a lei natural, em grande medida, mesmo que pudessem. As relações entre homens com homens, suas propriedades e gostos individuais, e a disposição de cada homem de exigir, e insistir, sobre o que quer que acredite ser justo, e de ressentir e resistir a todas as invasões do que ele acredita ser do seu direito, continuamente forçam sua mente nas questões, Esse ato é justo? ou é injusto? Essa coisa é minha? ou é dele? E essas são questões de lei natural; questões que, levando em consideração a maioria dos casos, são respondidas do mesmo modo pelo mente humana em todos os lugares. (1)

As crianças aprendem os princípios fundamentais da lei natural muito jovens. Logo elas entendem bem cedo que uma criança não deve, sem justa causa, bater ou machucar a outra; que uma criança não deve assumir controle arbitrário ou dominação sobre outra; que uma criança não deve, seja por força, manipulação, ou furtividade, obter posse do que pertence ao outro; que se uma criança cometer qualquer uma dessas injustiças contra outra, não está nos direitos da criança injustiçada somente o direito de resistir, e, caso necessário, punir o iníquo, e o compelir a reparar o erro, mas também é do direito e dever moral de todas as outras crianças, e outras pessoas, de ajudar a parte injustiçada a defender seus direitos, e corrigir os erros. Esses são princípios fundamentais da lei natural, que governam as transações mais importantes de homem com homem. Entretanto, crianças as aprendem antes de aprender que três mais três é seis, ou cinco mais cinco é dez. Suas brincadeiras infantis, também, não poderiam ocorrer sem constante noção desta; e é igualmente impossível para quaisquer pessoas de qualquer idade de viverem juntas em outras condições.

Seria extravagante dizer que, na maioria dos casos, se não todos, a humanidade, jovem e velha, aprendem essa lei natural muito antes de aprenderem os significados das palavras com as quais a descrevemos. De fato, seria impossível fazê-los entender o verdadeiro significado dessas palavras, se não entendessem a natureza da coisa em si. Forçá-los a entender o significado das palavras justiça e injustiça antes de conhecer a natureza de tais coisas, seria tão impossível quanto fazê-los entendem o significado das palavras quente e frio, seco e molhado, luz e escuridão, preto e branco, um e dois, antes de entender a natureza destas coisas. Homens devem necessariamente entender sentimentos e ideias, não menos que coisas materiais, antes de entender o significado das palavras que as descrevem.

Capítulo II.
A Ciência da Justiça (Continuação)

Capítulo I.

Se a justiça não for um princípio natural, não é princípio algum. Se não for um princípio natural, não existe tal coisa chamada justiça. Se não for um princípio natural, tudo que homens já escreveram ou disseram a seu respeito, desde o começo dos tempos, foi escrito e dito sobre algo que não existia. Se não for um princípio natural, todos os apelos por justiça já ouvidos, e todos os esforços por justiça já testemunhados, foram apelos e esforços por uma mera fantasia, um pigmento da imaginação, e não pela realidade.

Se a justiça não for um princípio natural, então não existe tal coisa como a injustiça; e todos os crimes encenados do mundo, não foram crimes; mas apenas simples eventos, como o cair da chuva, ou o por do sol; eventos dos quais suas vítimas teriam tanta razão para reclamar quanto teriam de reclamar do correr de uma corrente, ou do crescer da vegetação.

Se a justiça não for um princípio natural, (chamados) governos não teriam mais direito ou motivo para tomar conhecimento desta, ou fingir ou proclamar que tomem conhecimento desta, tanto quanto teriam de tomar conhecimento, ou fingir ou proclamar tomar conhecimento de qualquer outra nulidade; e todas suas profissões de estabelecer justiça, ou de manter justiça, ou de recompensar justiça, são simplesmente besteira de tolos, ou fraude de impostores.

Mas se a justiça for um princípio natural, esta é necessariamente imutável; e não pode mais ser mudada — por qualquer poder inferior aquele que a estabeleceu — tanto como a lei da gravidade, as leis da luz, os princípios matemáticos, ou qualquer outra lei natural ou princípio; e todas as tentativas ou pressupostos, de qualquer homem ou grupos destes — sejam chamando a si mesmos de governos, ou qualquer outro nome — de configurar seus próprios comandos, vontades, prazeres, or discrição, em um lugar de justiça, como regra de conduta para qualquer ser humano, são tão absurdos, usurpadores, e tiranos, quanto seria de tentar estabelecer seus próprios comandos, vontades, prazeres, e discrição no lugar de todas e quaisquer leis físicas, mentais, e morais do universo.

Seção II.

Se houver um princípio tal como a justiça, este é, por necessidade, um princípio natural; e, como tal, é uma matéria de ciência, a ser aprendida e aplicada como qualquer outra ciência. E falar sobre adicionar, ou tirar desta, é, por legislação, simplesmente falso, absurdo, e ridículo, assim como seria falar sobre adicionar, ou tirar, de matemática, química, ou qualquer outra ciência, por legislação.

Seção III.

Se houver na natureza um princípio tal como justiça, nada pode ser adicionado, ou retirado, de sua suprema autoridade por toda a legislação da qual toda a raça humana unida é capaz. E todas as tentativas da raça humana, ou de qualquer parte desta, de adicionar, ou tirar, da suprema autoridade da justiça, em qualquer caso, implica tanta obrigação sobre qualquer ser humano quanto um vento ocioso.

Seção IV.

Se existe justiça tal como princípio, ou lei natural, é o princípio, ou lei, que nos diz que direitos foram dados a cada ser humano em seu nascimento; os direitos que são, logo, inerentes a ele como ser humano, necessariamente permanecem consigo durante a vida; e, ainda que possam ser pisoteados, são incapazes de serem apagados, extintos, aniquilados, ou separados ou eliminados de sua natureza como ser humano, ou privados de sua autoridade ou obrigação inerente.

Por outro lado, se não existir algo como um princípio de justiça, ou lei natural, então todo ser humano vem ao mundo totalmente carente de direitos; e vir ao mundo carente de direitos, ele deve necessariamente permanecer assim para sempre. Pois se ninguém trás direitos consigo ao mundo, claramente ninguém deve ter direitos próprio, ou dar direitos a outros. E as consequências seriam de que a humanidade jamais poderia ter direitos; e para esta falar de tal coisa como direitos, seria falar de coisas que nunca tiveram, nunca terão, e jamais podem existir.

Seção V.

Se houver um princípio natural como justiça, esta é necessariamente a lei mais alta, e consequentemente a única e universal, para todas as matérias a qual é naturalmente aplicável. E, consequentemente, toda a legislação humana é simplesmente e sempre um pressuposto de autoridade e domínio, onde nenhum existe. É, portanto, simplesmente e sempre uma intrusão, um absurdo, uma usurpação, e um crime.

Por outro lado, se não existir um princípio natural como a justiça, não pode haver algo como desonestidade; e nenhum ato possível seja por força ou fraude, cometido por um homem contra a pessoa ou propriedade alheia, pode ser dito injusto ou desonesto; ou pode ser reclamado, ou proibido, ou punido como tal. Resumindo, se não existir algo como um princípio de justiça, não podem existir atos como crimes; e todas as profissões de governos, ou dos assim chamados, que existem, em parte ou em todo, para a punição ou prevenção de crimes, são profissões que existem para a punição ou prevenção do que nunca existiu, e jamais pode existir. Tais profissões são, então, confissões que, a respeito de crimes, governos não precisam existir; que não existe nada para eles fazerem, e nada que possam fazer. Elas são confissões que governos existem para a punição e prevenção de atos que são, por natureza, simples impossibilidades.

Seção VI.

Se houver na natureza um princípio tal qual a justiça, tal qual a honestidade, tais princípios como descrevemos com nossas palavras, tais princípios como os direitos naturais do homem de pessoa e propriedade, então temos uma lei universal e imutável; uma lei que podemos aprender, como aprendemos qualquer outra ciência; uma lei que nos diz o que é justo e o que é injusto, o que é honesto e desonesto, o que é meu e o que é seu, quais são meus direitos de pessoa e propriedade e quais são os seus direitos de pessoa e propriedade, e onde está a fronteira entre cada um dos meus direitos de pessoa e propriedade e cada um dos seus direitos de pessoa e propriedade. E essa lei é a lei primordial, e a mesma lei, ao redor do mundo, a todo momento, e para todos os povos; e será a mesma lei primordial, a todo momento, e para todos os povos, enquanto o homem viver na Terra.

Mas se, por outro lado, não houver na natureza um princípio tal como a justiça, nenhum princípio tal qual a honestidade, nenhum princípio tal como os direitos naturais do homem de pessoa e propriedade, então todas as palavras como justiça e injustiça, honestidade e desonestidade, todas as palavras como meu e seu, todas as palavras que significam que uma coisa é propriedade de um homem e aquela outra coisa é propriedade de outro, todas as palavras usadas para descrever injúrias e crimes, deveriam ser riscadas de todas as línguas humanas como tendo nenhum significado; e deveria ser declarado, de uma vez por todas, que a maior força e as maiores fraudes, pelo momento, são as leis únicas e supremas para governar relações entre os homens; e que, desse momento em diante, todas as pessoas ou conjuntos de pessoas — aqueles que se denominam governos, assim como todos os outros — estão livres para praticar uns aos outros toda a força, toda a fraude, de que são capazes.

Seção VII.

Se não houver uma ciência tal como a justiça, não pode haver ciência de governo; e toda a rapacidade e violência, pelas quais, em todas as eras e governos, alguns vilões confederados obtiveram maestria sobre o resto da humanidade, os reduziu a pobreza e escravidão, e estabeleceu o que eles chamaram de governos para mantê-los em submissão, foram exemplos tão legítimos de governo quanto qualquer outro que o mundo veria.

Seção VIII.

Se houver na natureza um princípio tal como a justiça, é necessariamente o única princípio que já existiu, ou que jamais existirá. Todos os outros chamados princípios políticos, que homens tem o hábito de inventar, não são princípios. Eles são meras vaidades de simplórios, que pensam ter descoberto algo melhor que a verdade, e justiça, e lei universal; ou são meras ferramentas ou pretextos, pelos quais homens egoístas e galhofeiros usam para obter fama, e poder, e dinheiro.

Capítulo III.
Lei Natural em Contraste Com Legislação.

Seção I.

Lei natural, justiça natural, sendo um princípio que é naturalmente aplicável e adequado ao acordo justo de qualquer controvérsia possível que pode surgir entre homens; sendo também, o único padrão pelo qual qualquer controvérsia entre homem e homem, pode ser justamente resolvida; sendo um princípio cuja proteção todo homem demanda para si, esteja este disposto a combinar com outros, ou não; sendo também um princípio imutável, um que é sempre o mesmo em todos os lugares; sendo tão inteiramente imparcial e correto para todos; tão indispensável para a paz da humanidade em todos os lugares; tão vital para a segurança e bem-estar de cada ser humano; sendo, também, tão facilmente aprendida, tão amplamente conhecida, e tão facilmente mantida por associações voluntárias que todos homens honestos podem prontamente e com direito formar para este propósito — sendo um princípio como tal, essas questões surgem, em outras palavras: Por que este não prevalece universalmente, ou quase universalmente? Por que este não foi estabelecido, eras atrás, ao redor do mundo como a única lei humana que qualquer homem, ou grupos destes, seria compelido a obedecer? Por que qualquer ser humano concebeu que algo tão evidentemente supérfluo, falso, absurdo e atroz quanto toda a legislação necessária poderia ser de qualquer uso para a humanidade, ou ter lugar algum em assuntos humanos?

Seção II.

A resposta é, que durante todos as eras históricas, sempre que quaisquer pessoas avançaram além do estado selvagem, e aprenderam a aumentar seus meios de subsistência através da cultivação de solo, um número maior ou menor deles se organizaram ou associaram-se como ladrões, para saquear e escravizar todos os outros, que acumularam propriedades que poderiam ser tomadas, ou mostraram, pelo seu trabalho, que poderiam contribuir ao apoio ou prazer daqueles que os escravizaram.

Esse bando de ladrões, pequeno em números, aumentaram seu poder se unindo a outros, inventando armas de guerra, se disciplinando, e aperfeiçoando suas organizações como forças militares, e dividindo o produto de seus roubos (incluindo cativos) entre si, seja numa proporção como foi combinado previamente, ou como seus líderes (sempre querendo aumentar o número de seguidores) quisessem.

O sucesso desse bando de ladrões era coisa fácil, pelo motivo de que quem eles saqueavam e escravizavam eram indefesos em comparação; sendo espalhados em pequenos grupos pelo país; engajados totalmente na tentativa, através de implementos rudimentares e trabalho pesado, para extrair subsistência do solo; não tendo armas de guerra, a não ser pau e pedra; não tendo disciplina militar ou organização, e nenhum meio de concentrar suas forças, ou agir em conjunto, quando atacados subitamente. Sob essas circunstâncias, a única alternativa restante para salvar suas vidas, ou a vida de suas famílias, era a de ceder não somente as colheitas que tinham, e as terras que cultivavam, mas a si próprios e suas famílias como escravos.

Dali em diante seu destino era, como escravos, o de cultivar para outros a terra que antes cultivavam para si. Sendo levados constantemente ao trabalho, a riqueza lentamente aumentava; mas tudo ia para a mão de seus tiranos.

Esses tiranos, vivendo somente de saquear, e no trabalho de seus escravos, e aplicando todas suas energias a saquear ainda mais, e a escravidão de ainda mais povos indefesos; aumentando, também, seus números, aperfeiçoando suas organizações, e multiplicando suas armas de guerra, eles entendem suas conquistas até, para segurar tudo que já conseguiram, se torna necessário para eles agir sistematicamente, e cooperar uns com os outros para manter seus escravos em submissão.

Mas tudo isso eles podem fazer estabelecendo o que eles chamam de governo, e criando o que chamam de leis.

Todos os grandes governos do mundo — os que existem agora, e os que morreram — foram desse caráter. Eles foram meros bandos de ladrões, que se associaram para saquear, conquistar, e escravizar seus compatriotas. E suas leis, como as chamaram, foram apenas acordos que eles acharam necessário, para manter suas organizações, e agir juntos para saquear e escravizar outros, e para cada um manter a parte acordada dos bens roubados.

Todas essas leis não tiveram maior obrigação real do que os acordos entre ladrões, bandidos, e piratas acharam necessários para entre si, para realização mais bem sucedida de seus crimes, e divisão pacíficos dos bens roubados.

Logo, substancialmente toda a legislação do mundo teve sua origem nos desejos de uma classe — a de pessoas que saqueavam e escravizavam outros, e mantê-los como propriedade.

Seção III.

Com o passar do tempo, a classe de ladrões, ou escravistas — que tomaram todas as terras e mantinham todos os meios de criar riquezas — começaram a descobrir que o modo mais fácil de gerenciar seus escravos, e fazê-los rentáveis, era de não permitir que cada dono de escravo mantivesse um número específico de escravos, como tinha feito antes, assim como tinham um número específico de gado, mas de oferecer-lhes tamanha liberdade que caberia a eles próprios (os escravos) a responsabilidade de sua própria subsistência, e ainda compeli-los a vender seu trabalho à classe dona das terras — seus antigos donos — somente pelo que estes últimos escolhessem dar-lhes.

É claro, esses escravos liberados, como alguns erroneamente os chamavam, não tendo terras, ou outra propriedade, e nenhum meio de obter uma subsistência independente, não tinha alternativa — para se salvar da inanição — mas de vender seu trabalho aos donos de terra, em troca apenas das necessidades mais rústicas da vida; com frequência por menos que isso.

Esses escravos liberados, como eram chamados, eram agora pouco menos escravos do que eram antes. Seus meios de subsistência eram talvez ainda mais precários do que quando cada um tinha seu dono, que tinha interesse em preservar suas vidas. Eles eram sujeitos, pelo capricho ou interesse dos donos de terra, de serem despejados de casa, de serviço, e da oportunidade de sequer ganhar subsistência pelo seu trabalho. Eles eram, entretanto, em grandes números, levados a necessidade de implorar, roubar, ou morrer de fome; e se tornaram, é claro, perigosos às propriedades e à paz de seus velhos donos.

A consequência foi que esses velhos donos julgaram necessário, para a própria segurança de sua propriedade, se organizar mais perfeitamente como um governo e criar leis para manter aquelas pessoas perigosas em submissão; isso é, leis fixando os preços pelos quais elas seriam compelidas ao trabalho, e também reescrevendo dolorosas punições, até mesmo a morte, por tais roubos e transgressões que eram levados a cometer, como seus únicos meios de evitar inanição.

Essas leis continuaram agindo por centenas, e, em alguns países, por milhares de anos; e estão em atuação hoje, em maior ou menor severidade, em praticamente todos os países do globo.

O propósito e efeito dessas leis tem sido o de manter, nas mãos do ladrão, ou classe dona de escravos, o monopólio de todas as terras, e, o quanto fosse possível, de todos os outros meios de obter recursos; e, assim, manter o corpo de trabalhadores em tamanho estado de pobreza e dependência, compelindo estes a venderem seu trabalho a tiranos pelo menor preço com o qual uma vida poderia ser sustentável.

O resultado de tudo isso, que a pouca riqueza que existe no mundo está na mão de poucos — isso é, na mão da classe criadores de leis e dona de escravos; que agora são tão donos de escravos em espírito quanto jamais foram, mas que atingem suas metas por meios das as leis que eles fazem para manter os trabalhadores em submissão e dependência, ao invés de cada um ser dono de escravos individuais como outros bens móveis.

Assim, todo o negócio da legislação, que agora cresce a proporções gigantescas, teve sua origem nas conspirações, que sempre existiram entre alguns, para o propósito de manter muitos em submissão, e extorquir destes seu trabalho, e todos os frutos provenientes de seu trabalho.

E os verdadeiros motivos e o espírito que descansam na fundação de toda a legislação — sem levar em consideração todos os pretextos e disfarces que usam para tentar disfarçar — são os mesmos hoje como sempre foram. O propósito dessa legislação é de simplesmente manter uma classe de homens em subordinação e servidão a outra.

Seção IV.

O que é, então, a legislação? É um pressuposição de um homem, ou grupo de homens, de domínio absoluto e irresponsável sobre todos os outros homens que eles ditam sujeitos ao seu poder. É a pressuposição de um homem, ou corpo de homens, do direito de sujeitar todos os outros homens à sua vontade e seu serviço. É a pressuposição de um homem, ou grupo de homens, do direito de abolir descaradamente todos os direitos naturais, toda a liberdade natural de todos os outros homens; de fazer todos os outros homens seus escravos; de arbitrariamente ditar a todos os outros homens o que eles podem, ou não podem, fazer; o que podem, ou não podem, ter; o que podem, ou não podem, ser. É, resumindo, a pressuposição do direito de banir o princípio dos direitos humanos, o princípio da própria justiça, da Terra, e configurar sua própria vontade, prazer, e interesse no seu lugar. Tudo isso, e nada mais, está envolvido na ideia de que pode haver tal coisa como legislação humana que seja obrigatória àqueles na qual ela é imposta.

Notas

1. Sir William Jones, um juiz Inglês na Índia, e um dos juízes com maior experiência que já viveu, letrado na lei Asiática tanto quanto Européia, diz: “É satisfatório notar a similaridade, ou, talvez, a idoneidade, daquelas conclusões que razão pura e imparcial, em todas eras e nações, raramente falha em concordar, em inquisições jurídicas que não são restringidas e algemadas por instituições positivas ".." – Jones em bailments, 133.

Ele quer dizer que, quando nenhuma lei foi feita sobre violação de justiça, tribunais judiciais, “em todas as eras e nações,” “raramente” falharam em concordam o que era justiça.