Original Article: Before Vivekananda: Glimpses of ‘Indian Spirituality’ in 19th Century America
Author: Vinay Lal

*Antes de Vivekananda: Vislumbres da “Espiritualidade Indiana” na América do Século XIX

Parte I de Vivekananda e tio Sam:  Histórias e Política

 

Swami Vivekananda (1863-1902) in  Jaipur, 1891.

Swami Vivekananda (1863-1902) em Jaipur, 1891.

Já que a Índia celebra o 150º aniversário de Swami Vivekananda, o lugar primordial de suas estadias nos Estados Unidos para dar forma às opiniões mais aceitas desse “filho da Índia” torna-se bem mais aparente. Muito do que se tem dito e escrito sobre ele é quase igual às tradições que estão tão enraizadas no tecido da vida diária na Índia. O que Vivekananda poderia ter sido, alguém pode se perguntar, caso ele não tenha iniciado o primeiro de seus três discursos no Parlamento Mundial de Religiões em 1893 com aquelas cinco palavras “Irmãos e Irmãs da América”, o que dizem ter dado à ele uma ovação de pé naquela reunião incomum e, cento e vinte anos depois, ainda dá à ele a aprovação daqueles que viram ele como um dos maiores emissários do Hinduísmo ao oeste? Quais aspectos do legado de Vivekananda tem durado nos Estados Unidos, e com qual efeito?

A história da recepção do Hinduísmo no oeste tem sido frequentemente escrita com a afirmação de que o começo é claramente marcado pela convocação do que é conhecido como Parlamento Mundial de Religiões, certamente a primeira reunião do tipo quando representantes dos que eram consideradas, pelo menos pelos organizadores do Parlamento, como as dez maiores religiões do mundo se encontraram para refletir e na diversidade e na união abrangida por ‘religião’. Na Índia o Parlamento é lembrado principalmente pelo discurso que apresentou Vivekananda no topo do palco mundial, mas nos Estados Unidos ocupa um lugar ainda mais significante, mas raramente reconhecido, na história intelectual do país. A noção de ‘pluralismo religioso”, que em princípio serve como base da cultura civil Americana, foi dada sua primeira audiência substantiva no Parlamento Mundial em 1893; do mesmo modo, o estudo acadêmico (e, até algum ponto, popular) de comparação religiosa pode, em alguns aspectos, ser visto originando-se das consequências imediatas do Parlamento Mundial.

O que é incontestavelmente certo é que quando Vivekananda chegou aos Estados Unidos pela primeira vez, quase nada se era conhecido de Vedanta, Hinduísmo, ou, mais amplamente entendido, religiões Indianas. Talvez seja pertinente que ele tivesse que ser ‘perdido’ antes que fosse ‘descoberto’–e isto por si só pode ser lido em vários registros–e aí o Hinduísmo pudesse ser recebido num país que dizem deixar suas portas abertas para pessoas de diferentes religiões e crenças: chegando em Chicago poucos dias antes do Parlamento abrir, Vivekananda descobriu que tinha perdido o endereço ao qual ele deveria se apresentar. Dizem que ele vagou por aí e finalmente acabou dormindo, com fome e cansado, num vagão ferroviário vazio. Ao acordar na manhã seguinte, Vivekananda, como um faquir Hindu, começou a ir de porta em porta na esperança de conseguir nutrientes para seu estômago vazio. Mas a visão desse homem jovem, moreno, com turbante e em vestes laranjas alarmou as donas de casa das vizinhanças nas quais ele andava; entretanto, uma certa Sra. Ellen Hale, a qual havia lido sobre o iminente Parlamento de Religiões, presumiu que Vivekananda fosse um dos participantes e o acolheu em sua casa. Com o tempo, como muitos Indianos acreditam firmemente, Vivekananda iria pagar sua dívida fornecendo alimento espiritual à almas vazias.

Retornando à questão do que se era conhecido sobre Hinduísmo nos EUA antes da chegada de Swami Vivekananda, entretanto, algumas considerações vêm a mente. Publicações periódicas americanas, como a Christian Disciple and the Theological Review(1813-1823) e a North American Review, que começaram suas publicações em 1815, começaram a trazer eventuais artigos sobre os costumes Hindus, especialmente sobre “idolatria Hindu”, mas esses exemplares eram invariavelmente fundamentados numa visão Orientalista. A compreensão do Hinduísmo, se alguém pode mesmo chamar disso, foi mediada, de um lado, pelo altamente influente A Poem on the Restoration of Learning in the East (1805), de Charles Grant, e, do outro lado, pelo interesse mostrado na vida e no trabalho de Rammohun Roy, o fundador do movimento teísta e reformista conhecido como Brahmo Samaj. Os Transcendentais Americanos, principalmente Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau, mexeram também com os livros sagrados dos Hindus. O jovem Emerson, quando ainda adolescente, teve a audácia de interpretar a ‘teologia Hindu’ num poema longo, conhecido agora somente por acadêmicos, chamado de Indian Superstition (1821). O conhecimento escasso sobre Hinduísmo de Emerson na época pode ser visto quando menciona ‘o sério Bramin armado com pragas divinas’ (l. 71), ou nos devotos engajados ‘em veneração selvagem à poderes misteriosos’ (l. 47). Na época, Emerson ia em direção à visões do Hinduísmo mais complexas, certamente solidárias—como é sugerido, por exemplo, no seu poema ‘Brahma’, onde a impressão dos ensinamentos de Bhagavad Gita é claramente sugerida. Seu contemporâneo mais novo, Thoreau, entrou um engajamento mais amplo com textos Indianos, e tomou notas copiosas de Gita, Upanishads, Vishnu Purana, e de Manusmriti. ‘De manhã’, Thoreau escreveu sobre suas experiências no Lago Walden, ‘Eu banho meu intelecto na filosofia estupenda e cosmogônica de Bhagvat-Geeta, já que seus anos de composição foram decorridos pelos deuses, e em comparação em como nosso mundo moderno e sua literatura parecem ser frágeis e triviais; e eu duvido se essa filosofia não se refere à um estado prévio de existência, tão remota é sua grandeza de nossas concepções.’ O capítulo de Terça de A Week on the Concord and Merrimack Rivers é dado por citações densas das escrituras Hindus favoritas de Thoreau.

Thoreau também foi, sem dúvidas, a primeira pessoa nos Estados Unidos a se descrever como um yogi. Mas, por todas suas peregrinações mentais, ele nunca viajou fora dos Estados Unidos; de fato, ele se confinou à Nova Inglaterra. Thoreau nunca viu um Indiano, ainda mais um yogi Hindu; e muitos Indianos ignoraram sua observação que ‘nenhuma tirania Hindu prevaleceu no emolduramento do mundo, mas nós somos os homens livres do universo, e não sentenciados à qualquer casta.’ Não há nada que sugira que, nas consequências do engajamento razoavelmente sustentado de Emerson e Thoreau com a filosofia Indiana, que o interesse em mitos Hindus, Vedas, Upanishads ou Gita foi estimulado entre americanos. Para se ter certeza, o sânscrito fez algumas incursões, mesmo que breves, no currículo de algumas das principais instituições Americanas de educação superior. Edward Elbridge Salisbury foi instalado Professor de Sânscrito e Árabe na Universidade de Yale em 1841, e Salisbury mais tarde também teria uma participação importante em dar forma à Sociedade Oriental Americana, fundada em 1842 como a primeira organização culta desse tipo nos Estados Unidos. Posteriormente, Yale se tornaria o lar de William Dwight Whitney (1827-94), autor de uma gramática Sânscrita amplamente utilizada e tradutor do Atharva Veda. No final da década de 1880s, o Sânscrito era ensinado em mais de meia dúzia de universidades Americanas, entre elas Johns Hopkins, Harvard, Columbia, e Yale. Alguém poderia, com certa diligência, reunir alguns outros fatos semelhantes sobre o interesse Americano na Índia, e especialmente no Hinduísmo; mas, visto em totalidade, essa pessoa seria, sem escapatória, atraída à conclusão de que quando Vivekananda chegou em Chicago como uma das poucas pessoas incumbidas à representar o Hinduísmo ao público Americano e ao resto do mundo, o Hinduísmo continuou a ser uma completa novidade aos Americanos. Certamente não haveria ninguém, seja entre o público ou até mesmo dentro da academia, para contestar suas leituras do Hinduísmo ou em geral sobre a sociedade Indiana.

(continua)